Nasceram e agora?

Como levei epidural só me podia levantar 12h depois do parto. As outras mães tinham tido partos normais por isso levantaram-se antes. A noite toda foi um frenesim de enfermeiras a entrar e sair para nos dar medicação para as dores, bébés a chorar, bebés a mamar, maes a andar de um lado para o outro para deitar e levantar os seus bébés. Enfim.. eu só queria descansar, fechar os olhos e dormir para passarem rapido aquelas horas em que não podia levantar-me. Para que chegasse a altura que poderia ver as minhas filhas. Queria, precisava de vê-las!


Chegou-se a manha e eu já me podia levantar. Ajudaram-me a tomar um banho. Custou-me imenso. A minha cicatriz foi feita ao alto, da púbis até ao umbigo, por já ter nesse sitio uma anterior de uma operação, por isso era bastante dolorosa. Mas o facto de ser assim facilitou o nascimento das minhas frageis bébés, se fosse uma cicatriz em baixo na horizontal na pubis como costuma ser, era mais dificil para os médicos as retirarem.


A seguir ao banho veio uma enfermeira dizer que quando as quisesse ir ver já podia, era só chamar alguém para me levar numa cadeira de rodas.

Tive receio! Quis esperar pelo C. Estava com medo da minha reacção e queria que ele as visse comigo.

O C. chegou ao meio dia. Vinha de muletas. Coitado tinha sido operado a um pé 3 dias antes.

Assim que ele chegou pedi-lhe logo no meio de um abraço cheio de lágrimas para irmos ver as nossas meninas.

Lá fomos nós. Ele de muletas e eu de cadeira de rodas. Aqueles corredores pareciam não ter fim. O meu coração batia muito forte dentro do peito. Era muita emoção e ansiedade junta. Finalmente eu ia ver as minhas filhas.

Chegámos á porta da Unidade e tivemos de esperar para nos darem permissão para entrar. Depois de entrar ainda tinhamos um longo corredor até chegar á sala dos Cuidados Intensivos. A seguir tinhamos de vestir uma bata e lavar muito bem as mãos e depois ainda desinfecta-las com um liquido azul que até hoje guardo o cheiro na memória. Estava a metros delas... Que ansiedade..

Indicaram-nos as incubadoras. Estavam cobertas por umas mantinhas.




E apresentaram-me a primeira.: A minha Beatriz:









Que choque!!!

A minha menina era minuscula!!!! Estava ligada a um ventilador para respirar, via-se o peitinho a encher e esvaziar mecanicamente. Tinha a carinha com uns "Óculos" de papel por causa da luz para a ectericia e tinha um cateter no peito a drenar um pulmão porque tinha sofrido um pneumotorax durante a noite. Tinha não sei quantos fios ligados a um monitor e um ligado á veia do umbigo. (Nos primeiros dias para não colocarem um cateter é por ai que alimentam e medicam os prematuros, pela veia do umbigo) e tirando aquele movimento da respiração não se mexia.

Chorei muito. Agarrei-me ao C. com um sentimento de desespero. Não tinha esperança que ela sobrevivesse. Era tão pequenina! Estava tão maltratada a minha menina. Via-se sangue a sair daquele dreno no peito. Via-se aquelas costelinhas todas a mexer quando o ventilador lhe enchia o peitinho de ar. A maquina apitava constantemente. E o ventilador era enorme. Via-o encher e esvaziar como só tinha visto nos filmes.Minha rica filha!

Uma médica de serviço viu-me e veio ter comigo. Tentou acalmar-se. Disse-me que o pneumotorax era uma situação "comum" em prematuros tão pequeninos. Que ela estava a reagir bem ao tratamento e que estava estável. Que tinhamos de esperar e ter esperança.

A seguir disse-me para ir conhecer a outra..


Descobriu a segunda incubadora.



Arrepiei-me quando olhei lá para dentro! A minha segunda filha era quase metade da primeira. Meu Deus tão pequenina e tão frágil. Nada nos prepara para uma imagem daquelas. Por mais imagens e videos que tivesse visto na internet, ver assim á minha frente a MINHA filha daquele tamanho foi uma sensação indescritivel. Um misto de medo, dor, espanto mas também de alegria.

A Médica disse-me que a Inês estava muito bem, dentro do possivel. Estava a guentar-se a respirar sozinha e os níveis de oxigenio estavam estaveis. Como tinham sido muito manipulada depois do parto estava muito cansada e por isso não convinha tocar-lhe já. Deviamos ficar só a olhar e deixa-la dormir. Mas mais tarde poderia tocar-lhe atraves das janelas da incubadora e durante a manipulação*poderia vê-la melhor.

*Manipulação é o termo que dão a quando têm de lhes mexer para limpar as incubadoras, alimentar ou medicar. Tirando essas alturas deixa-se o bébé quietinho na sua "casinha de cristal" (nome atribuido por mim ás incubadoras) para poderem descansar e crescer. Os bébés só crescem durante o sono profundo.. (também aprendi lá..).

Mostraram-me a sala e explicaram-me as regras de funcionamento da Unidade.

As visitas dos pais eram permitidas até ás 20h. Os avós podiam ir ás quartas-feiras até ás 18h. O resto dos familiares e amigos não eram permitidos. Só podiam ver os bébés quando tivessem alta. (meu deus as minhas irmãs poderiam nem vir a conhecer as sobrinhas pensei eu..)Os pais tinham direito a uma senha de almoço e outra de jantar. Podia tirar leite na sala de amamentação e entregar a uma enfermeira para lhes dar quando pudessem comer.Acho que naquele momento me entrava tudo a 100 e saia a 200. Achava que não ia entrar ali muito mais vezes. Eu não ia ter a sorte de ver as minhas meninas sair dali com vida...

Subimos para o meu quarto, onde já estava a minha melhor amiga P. e as minhas irmãs. Vinha a chorar. Não conseguia parar as lágrimas de cair. Tinha um nó no peito. Nem a carinha delas tinha conseguido ver bem. A Beatriz estava naquele estado vegetativo. A minha minuscula Inês apesar de respirar sozinha era tão pequenina que no meio de tanto tubo também não tinha dado para ver bem o formato do seu rostinho. Vinha siderada!

Trouxeram-me flores, comida e mimos. Tentaram-me animar. -Elas vão crescer!, -Não estejas assim há tantos bébés com o peso delas que sobrevivem, -Vais ver que elas vão vencer esta dura batalha!

Ouvi muita coisa mas nada me animava. Queria poder acelerar o tempo até á altura em que algum desfecho se desse. Ou o fim ou a saida delas daquele sitio. depois tinha outras dúvidas e medos. A maior parte dos prematuros que sobrevive ás 28 semanas fica con sequelas permanentes. Cegueira, atrasos mentais, problemas de rins e intestinos etc e tal... Meu Deus tantos riscos!!!

Tinha a minha cabeça sempre a mil á hora. Muitos, imensos pensamentos a passar a uma velocidade estonteante. Duvidas, medos, incertezas. Desespero!

As visitas acabaram e mudaram-me de quarto. Desta vez um quarto com 3 camas. A minha era a do meio. De cada lado havia uma mãe com o seu filho. Imóvel ficava a olhar para a azáfama delas. Tira bébé, dá de mamar, põe a arrotar, embala põe a dormir, deitam-se, bébé acorda, muda fralda, embala, bébé chora, dá de mamar outra vez etc e tal. Eu não tinha nada para fazer. Só os meus pensamentos me ocupavam. A minha angustia. O meu medo. A minha tristeza.

Tentava não pensar nas minhas filhas. Não queria mais ir vê-las. Queria esquecer tudo. Voltar ao antigamente. Ao tempo que era só eu e o C. Tentava mentalizar-me de que eu e ele precisavamos de ter tempo para nós. Afinal queriamos começar uma vida a 2 antes de engravidar. Mas tinhamos planos para acontecer tudo com outro ritmo. Queria viajar com ele. Encontrar uma casa para nós e mobila-la. Jantar fora com ele, passear, namorar enfim construir uma relação com calma, E depois pensaria em ter filhos. Mais tarde. Pelo menos só daqui a 2 anos (tinha tido cesariana por isso só poderia engravidar passado esse tempo), com calma, com tudo planeado. Isto era eu a tentar ver algo de positivo no meio de tanta tristeza e de uma situação tão dolorosa pela qual estava a passar. Pensar nas minhas meninas naquele estado doia demais. Pensar que já as amava tanto sem sequer ter tocado nelas e saber de todos os riscos que corriam e que podia perde-las era insuportável.

Devo ter chorado tanto que chamaram um psicologo para falar comigo. No meio de choro disse-çhe que não queria mais ir vê-las! Ele perguntou-me porquê. Eu disse que não me queria afeiçoar a elas. Já doia tanto a ideia de as perder, imaginava como era então perde-las e conhecê-las, sentir a sua pele. sentir o seu cheiro. Estava num estado caotico. De tristeza profunda. O psicólogo não me deu muitas esperanças. e o que eu mais queria ouvir naquele momento é que estava enganada! Queria tanto que ele me dissesse que estava a ser irracional. Que não tivesse medo. Que elas iam sobreviver... Mas não. Ele racionalmente falou comigo e disse-me que de facto as chances de elas sobreviverem eram poucas. Que os meus medos tinham fundamentos. Mas que não deveria de abdicar do direito de ser mãe. Que devia aproveita-las enquanto elas estivessem cá. Vivas! Que devia deixar o meu instinto maternal sair e passar o maximo de tempo possivel com elas. Porque se mais tarde acontecesse alguma coisa ia ficar arrependida de não o ter feito. E lá fiquei eu na minha cama a chorar sem parar. A pensar em tudo o que ele me tinha dito. E cheguei á conclusão de que estava a ser muito egoista. Para me proteger estava a negar uma mãe ás minhas Princesas. Por mais duro que fosse aqueles frageis seres tinham de ter o maximo de amor que eu lhes pudesse dar. Elas mereciam, as minhas minusculas meninas.
Depois de almoço desci e fui vê-las sozinha. Custava-me ainda muito andar e a Neonatologia ficava ainda um pouco longe do quarto. Fui mais uma vez de coração nas mãos. Desta vez não tinha o C. ao meu lado... Senti-me um pouco perdida.
Fiz o ritual de entrada e lá fui eu rumo á 1º incubadora. A Beariz continuava imóvel, com o seu peitinho a encher e esvaziar e com o dreno no peito. Continuava com os óculos por isso não se via o rosto.
Passei para a encubadora da Inês. Sentei-me numa cadeira e fiquei a contempla-la. Agora com outros olhos. Olhos de quem quer absorver tudo. Guardar todas as imagens. Olhos de mãe, embora ainda não me sentisse como tal...Olhei para todos os pormenores daquele ser tão pequenino. Era tão perfeitinha. Tinha tudo no sitio certo. Umas mãozinhas com uns dedinhos minusculos, uns pezinhos com as unhas todas formadinhas. Umas orelhinhas muuuito pequeninas. Ainda não tinha sobrancelhas nem pestanas. Tinha uma pele muito fina e escura, onde se via todos os capilares. Tinha muitos fios ligados. E tinha muito cabelinho preto encaracolado. Achei que ela tinha um rosto que era uma mistura minha e do C. A boca era como a minha. pequena em forma de coração. Mas o formato da testa e zona dos olhos acho que era parecida com o C. Era muito magrinha. Notavam-se os ossinhos todos por baixo da fina pele.
Fiquei a olhar...












2 comentários:

Didi e Pepe disse...

....
k tristeza amiga....
...
nenhuma mae deveria sofrer assim...pelo incerto...

PauLLa disse...

Lembro-me tao bem deste dia.....
Neste dia apenas vi as fotos delas numa impressao a preto e branco, que o hospital deu....
Mais tarde tive o privilegio de ve-las pessoalmente, nas incubadoras e confesso que foi um choque ver dois bebes tao pequeninos...
Nao da pra explicar a sensaçao de ver 1 bebe com 600g e outro com 1kg
Mas agora tenho ca as minhas sobrinhas lindas que tanto AMO e elas a mim :)))))))
beijinhosssssssssss